Talvez estivesse confuso. A arte de sonhar tornou-se a capacidade de deslocar o corpo – na realidade, o espírito – para fazer passeios em qualquer lugar que se deseja ir, disse o velho. E talvez você faça isso sem sentir, instintivamente, completou ele. De fato, não podia negar que minhas experiências me deixavam em estados inigualáveis de bem-estar, exceto quando me via horas e horas a fio, sonhando, em estados naturais de vigília. Eu tinha a chave para muitos mistérios, revelou-me o velho.
– Enquanto dorme, você age como imortal, sendo assim, você acha que tem todo o tempo do planeta dentro de si, pontuou o analista.
Eu me sentia péssimo naquela conversa. Tentava desprezar a estupidez humana que acreditava fazer parte de mim. O papo beirava o delírio, era tudo muito surreal, por assim dizer. Verdadeiro sufoco iniciar diálogos, ou melhor, só fazia escutá-lo. Entretanto, tudo que ele me dizia, achava, no mínimo, intrigante. Seu rosto, com traços cansados e um pouco sujo, revelava um brilho infantil, mas tinha olhos cor de mel , com pegada oriental, e usava unhas longas e afiadas, como se tocasse violão ou fosse um velho monge chinês. Tarde da noite, acordei com a sensação de que não estava sozinho no quarto; com certeza, havia alguém. Consegui ver a silhueta do rosto através da cortina transparente que separava o quarto do banheiro, graças à intensidade da luz da lua. De nada adiantaria eu fingir que não estava vendo, acendi a luz e uma linda menina, de cabelo loiro encaracolado, me observava, com a cabeça em cima dos braços debruçados na janela.