José Eduardo Carvalho

três

In JoséEduardoCarvalho on 15/06/2009 at 1:47 AM
Sala Vermelha, do desenhista e pintor francês, Henri Matisse.

Sala Vermelha, do desenhista e pintor francês, Henri Matisse.

Sentia necessidade de ouvir cuidadosamente cada palavra que ele me dizia e para não correr o risco de perder qualquer detalhe, convidava-o para me acompanhar a outro local. O café que tinha na rua ao lado estava sempre deserto, sem graça, portanto era o café mais vazio da cidade. Travava uma batalha no espaço-tempo para desvendar tudo que há dias me atordoava o juízo. A rua que abrigava o café tinha uma perspectiva longa, solitária; era praticamente habitada por um jovem rapaz negro, franzino, de seus vinte e poucos anos, que ficava agachado embaixo de uma árvore, com seu ar de tristeza, soltando bolhas de sabão e observando elas estourando no alto. Pode parecer irônico, mas apesar do café estar sempre vazio, era melhor do que o outro, o da misteriosa bebida escura. Pedi dois, assim que me sentei, mas não posso deixar de falar da senhora Afonsa. Passava o dia inteiro atrás do balcão, se abanando com uma tampa velha de uma caixa de sapato, e movia-se apenas para espantar pernilongos.

– Obrigado, senhora. Disse.

Meu interesse por dona Afonsa, confesso, era clínico. Ela insistia em manter um café numa casa velha, toda preta por fora, e com uma árvore quase deitada na frente sufocando a ventilação. Todas as casas tinham uma placa escrito “aluga-se”, sem contar um posto caindo aos pedaços, com gasolina falsificada.

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